Imagine que, neste livro, um garoto abandona sua bicicleta, atravessa uma ponte, entra numa casa abandonada, sem luz e encontra seu cachorro imaginário. Deita-se (ao relento, já que o telhado é um buraco enorme) e vê, sonha, vive, sente. Tudo se passa numa mesma noite. O momento é único e de muita solidão. O relâmpago que risca o céu assinala também a transição para a nova fase: da escuridão para a luz, da noite para o dia, do sonho para a vida.
O grande barato deste livro são as atividades de alfabetização oferecidas no conteúdo.. Com isso, a história vai e volta, muda de rumo, brinca com a lógica e abole a ordem dos acontecimentos! O que interessa são os fragmentos, as imagens, as maneiras de narrar os episódios. Mudar de condição pode ser mudar também de linguagem! Mas o personagem ainda não sabe e a incerteza toma conta dele.
Ah, mas preste atenção no tom crucial, forte, poetizante, que o autor usa no texto. Na experimentação dos sentimentos, na potência do aqui e agora. É muito bom perceber como o título da obra se relaciona com o conto; como o momento de transição se relaciona com a cegueira momentânea. É no ponto nevrálgico que a história ataca, por isso, o nervo da noite, o lugar onde dói, a ampla voltagem da prosa poética. Vale a pena ler em voz alta o precioso texto de Noll, provar o sabor das palavras e ir correndo buscar outras obras dele, em especial Sou eu, livro da mesma coleção, na simpática forma de caderneta de anotações.